A Úlcera péptica perfurada apresenta-se como uma condição abdominal aguda com peritonite localizada ou generalizada e um alto risco de desenvolvimento de sepse e morte.
Caracterizada como uma emergência cirúrgica a úlcera péptica perfurada está associada com a mortalidade a curto prazo de até 30% dos pacientes e morbidade em até 50%. O diagnóstico precoce é essencial, mas os sinais clínicos podem ser obscurecidos em pacientes idosos ou imunocomprometidos, atrasando assim o diagnóstico. Exames de imagem têm um papel importante no diagnóstico, como o faz a ressuscitação precoce e a administração de antibióticos.
As complicações da úlcera péptica incluem perfuração, sangramento e obstrução. A perfuração, após a hemorragia, é a principal complicação da úlcera péptica e representa a indicação mais comum para cirurgia de emergência para doença ulcerosa péptica.
A faixa etária acometida é predominantemente de adultos jovens, embora a mortalidade seja maior em idosos. Um estudo brasileiro mostrou uma predominância entre 50-60 anos com mais de 75% dos casos ocorrendo no sexo masculino.
Outros fatores de risco para perfuração incluem o tabagismo e o álcool, embora com um risco associado menor do que o atribuível ao H. Pylori e ao uso de anti-inflamatórios. A virulência da cepa do H. pylori também pode contribuir, uma vez que as estirpes diferentes parecem ter efeitos patogênicos variáveis, com as cepas cagA e vacA com maior risco de complicações. A perfuração de úlcera péptica também pode ocorrer em crianças, nas quais é geralmente associada com H. pylori (em 90% dos casos).
Um pico diurno de perfurações da úlcera foi reportado na parte da manhã, o que é possivelmente relacionado à variação circadiana na secreção ácida. O risco de perfuração é aumentado no jejum prolongado, o que também pode ser causado pela variação na liberação de ácido e exposição. A perfuração de úlcera é relatada após a cirurgia bariátrica, depois de uso de drogas como o crack ou anfetaminas e após a quimioterapia com inibidores de angiogênese, tais como bevacizumab. Os pacientes com hipersecreção de ácido, incluindo aqueles com um gastrinoma (síndrome de Zollinger-Ellison) estão em risco de perfuração e um gastrinoma deve ser descartada em pacientes com úlceras recorrentes ou múltiplas.
Manifestações clínicas e diagnóstico
Pacientes com Úlcera péptica perfurada podem se apresentar com dor epigástrica grave, de início súbito, inicialmente epigástrica que depois pode tornar-se generalizada. Síncope associada ao quadro inicial de dor é descrita frequentemente. Sintomas como taquicardia e hipotensão são associadas à perfuração livre na cavidade. Em uma segunda fase a dor diminui de intensidade, mas piora com a movimentação e ao exame físico o paciente apresenta abdome enrijecido. Esta rigidez abdominal usualmente é resultante da exposição ao ácido na cavidade abdominal causando peritonite.
Em uma terceira fase ocorre distensão abdominal com hipersensibilidade local, mal-estar e aumento de temperatura, podendo ocorrer hipovolemia, por sequestro de fluídos para o “terceiro espaço”.
As manifestações clínicas e exames de imagem podem ser menos claras em pacientes obesos, indivíduos imunocomprometidos, doentes em uso de corticoesteroides, aqueles com um nível reduzido de consciência, idosos e crianças. Nessas situações, a história clínica e exame físico podem não ser específicos, solicitando estudos laboratoriais e de imagem adicionais para excluir diagnósticos diferenciais. Apenas dois terços dos pacientes se apresentam com peritonite franca, que poderá explicar em parte o atraso no diagnóstico em alguns pacientes.
Durante a avaliação clínica, vários diagnósticos diferenciais devem ser considerados, com os mais importantes sendo uma ruptura de aneurisma da aorta abdominal ou pancreatite aguda, que devem ser excluídos por causa de sua alta taxa de mortalidade, se reconhecida. O tratamento é retardado, também porque seu manejo é principalmente não cirúrgico.
O primeiro exame de imagem nesses pacientes é a radiografia simples de abdome, que pode mostrar ar livre no exame radiológico, sendo altamente sugestivo de uma víscera perfurada. A radiografia simples de abdome é um exame fácil e barato e pode ser diagnóstico. Contudo, a sua sensibilidade é de apenas 75% e não pode mostrar a sua causa exata. A tomografia computadorizada de abdome se tornou a modalidade de imagem de escolha por causa de sua sensibilidade superior e valor no diagnóstico diferencial.
Após a cirurgia para úlceras gástricas, uma endoscopia pós-operatória de rotina é frequentemente realizada para excluir malignidade como principal causa da perfuração, uma vez que até 13% das perfurações gástricas podem ser associadas a câncer gástrico. Esta endoscopia geralmente é programada em torno de seis semanas após a recuperação a partir do procedimento e após a conclusão de erradicação do H. pylori.
Diagnósticos por imagens podem ser adiados enquanto se aguarda ressuscitação em pacientes criticamente enfermos. Aqueles que se apresentam com peritonite generalizada com ou sem sinais de sepse geralmente devem ser submetidos à cirurgia. Notavelmente, a mortalidade aumenta a cada hora que a cirurgia é atrasada.
Matéria por
Luciano Valadares
Cirurgia Geral CRM/PR 36159 | RQE 20799 | Ponta Grossa